Um homem caminhava em direção à padaria
Um homem caminhava em direção à padaria. Tossia, tossia. Ele queria socorro. Suas roupas eram trapos, seus cabelos não estavam lavados, a sujeira de repente tinha uma infeliz maldição de transformá-lo em invisível.
Um homem caminhava em direção à padaria. Tossia, tossia. Era de manhã, e as pessoas tomavam o seu café, comiam o seu pão na chapa e olhavam com desdém para o homem que socorro pedia.
Um homem entrou na padaria. Sangrava. Ninguém nem via. Ignoravam a existência daquele que clamava por viver. Porquê para todas aquelas pessoas ele não era ninguém. Ele era um incômodo.
Um homem caiu na padaria. O barulho estrondoso só fez com que olhassem com mais desdém um corpo caído no chão. Se o corpo era negro, estava sem banho e sujo, então não era nada demais, não.
“Coloca umas cadeiras ao redor aí, Seu fulano! E joga um saco de lixo preto em cima desse homem pra cliente não tropeçar. Deixa aí que a vida não para, não. Faz mais pão aí pra disfarçar o cheiro se demorarem pra vir buscar.”
Um homem caminhou em direção à morte, pedindo clemência, pedindo ajuda. Um homem que não teve direito de ser nem em seu último suspiro. Morreu sem socorro. Caminhou livre de culpa, pedindo ajuda e foi parar num saco preto de lixo enquanto a vida dos outros seguia.
Uma sociedade caminhou para o precipício. É nítido. Comem pão com cheiro de morte fresca todos os dias em seu café-da-manhã. E nem ligam.
O homem era alguém. Tinha nome. Em memória de Carlos Eduardo Pires de Magalhães.
19/12/2020
Crônica selecionada para compor o Prêmio Off Flip de Literatura de 2021.